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ExposiÇÃo "Paisagens, possÍveis conexÕes" Museu Alfredo Andersen 2017

O gabinete das curiosidades naturais

Quando se passeia por uma mata muito densa, como é o caso da mata atlântica, vê-se uma massa de verdes, marrons, outras cores, incatalogáveis. Não há exatamente prima-zia de uma cor sobre outra, tampouco primazia de uma imagem sobre a outra. O que se vê é uma massa disforme em curiosa harmonia, que deve ter deixado maravilhados os primeiros viajantes, mas talvez não quem já a habitava.

Para o olhar humano, acostumado a procurar na difusão algo que tenha um sentido, que lhe dê rumo ou simplesmente que permita a contemplação, há uma sobreposição de trechos da floresta que, uns sobre os outros, formam um todo, confuso, mas harmonioso. Há um emaranhado de verdes até o infinito do verde. Depois, outros tons e cores. Se há luz, há um universo; se não, outro universo se instala no mesmo lugar.

Não haveria como fatiar cada trecho, até mesmo porque a ideia de tomar a natureza é uma maneira como a representação artística absorveu a natureza, algumas vezes sendo mais fiel que em outras, de acordo com nosso senso mais comum de fidelidade, que tem a ver com o olhar, com nossa memória, com o modo como construímos — ou temos — figuras perfeitas em algum lugar do espírito. Nosso olhar capta um todo e esse todo, com certas liberdades, a tradição passou para uma tela, parede, pedaço de madeira, desde os jardins imaginários das casas romanas, que davam a impressão de a natureza invadir o recinto, até as paisagens observadas pelos viajantes, meio cientistas, meio artistas, no novo mundo ou no novíssimo mundo.

Hoje, temos fotos aéreas, fotos documentais, outros registros mais ou menos precisos, outras abordagens mais ou menos artísticas, o que não seria possível catalogar aqui ou diagnosticar na totalidade.

De todo modo, temos uma profusão do que se estende, ao olhar do viajante, ao olhar do pesquisador, ao olhar do montanhista, do ambientalista, do artista, de quem se perde na floresta, de quem se deixa perder pela floresta, a mesma floresta que tanto encantou desbravadores e que foi base para toda sorte de mitos. Talvez a fotografia tenda, hoje, a aprisionar essa profusão, que, verdade seja dita, não pode ser engaiolada por diversos motivos: seja porque sempre tomamos um ângulo pessoal, para a melhor e mais har-moniosa parcela ao nosso olhar, seja porque a natureza é livre e mutável.

De todo modo, igualmente, a floresta, notadamente a floresta do novo mundo, é prenhe de sentidos, alguns místicos. Dos discursos sobre uma natureza-mãe, mitológica e primi-tiva, dos discursos sobre a natureza perigosa e indecifrável, onde se pode perder para sempre, com animais fantásticos, aos discursos modernos sobre preservação, difícil pas-sar indiferente à complexidade do tema ou, para quem já visitou uma floresta, à sua ex-tensão e profundidade. Pode-se perder para sempre na floresta. Fato. Pode-se habitá-la também — e o contrário é bem comum.

Hoje, muito se diz daquilo que o mundo moderno fez morrer: a história, a pintura, a foto-grafia. Mas o que seria, então, a fotografia hoje? O que seria a pintura hoje? O que seria o desenho de representação? Ora, fato que a pintura, que mais nos interessa aqui, teve mudanças radicais ao longo do século XVIII e do XIX, mas por que haveria ainda sujeitos interessados nessa técnica, nessa arte, como forma de representação do belo, do natural ou do imaginário? Por que haveria ainda uma indústria de pincéis e de tintas, de telas e de gente que as estica em bases de madeira cortadas para isso? Por que há sujeitos que procuram respostas para ela? E por que há pinceladas, leves ou generosas, em diferentes suportes?

Felipe Tosin é um artista é grato à natureza — e deseja tomar pela mão o sujeito e o levar a conhecê-la. Não teme a imaginação, porém, mas não nos ilude, não nos força a um passeio falso, falsificado, desconstruído. Há uma lógica nessa sua construção super-posta da natureza, no que ele chama “paisagem”. Há bondade nesse percurso também, e é isso que vemos a partir de agora. Felipe é um mediador.

Há um trabalho intenso nessa busca, do mesmo modo como a natureza nunca é acabada, até que um dia o fotógrafo, o pintor, o gravador, tente congelá-la num momento qualquer, selecionando de um todo algo harmonioso e que agrade ao olhar ou que mostre alguma catástrofe. É curioso o processo de busca de Felipe porque é um processo em que camadas de tinta se superpõem umas às outras, como se ele “enxergasse" o movimento natural do que observa. Do mesmo que a natureza constrói-se ou reconstrói-se sozinha, as telas de Felipe Tosin vão surgindo em camadas de tinta rigorosamente selecionadas, num trabalho de paciência, tempo, cansaço. O artista pausa quando não tem mais forças. Esse é seu processo, o do desgaste. Não teme a cor, tam-pouco a forma. A quase totalidade das tintas é preparada por ele mesmo, desinteressado pelo pronto, pelo já acabado. E há ainda o uso de um pigmento, ao modo de pólen, de algo seminal das profundezas, que não pode passar despercebido nesse processo. Ele está presente e às vezes escorre pela tela, naturalmente.

Mas são paisagens imaginativas, não havendo nenhuma censura nessa constatação, a de que ele trabalha com paisagens da imaginação. Seu universo existe como qualquer outro, uma vez que simplesmente possível. Há tons encontráveis nas florestas, mas que aqui tomam o primeiro plano, como é o caso dos azuis e dos laranjas. Como não teme a presença das cores, como não teme formas — como eu disse — o que observa na na-tureza (e algo que ele registra em fotos, em desenhos, em gravuras) aparece nas pinturas de forma maior, emancipada de lá, numa explosão de contrastes. Lógico que lembrei de tantos outros jardins e florestas ao primeiro olhar: sem pensar numa análise genética desses trabalhos, comecei a análise pelos jardins etruscos/romanos e fiz uma lista men-tal até Rousseau. Mas aqui não temos o esquema dos primeiros, tampouco o referencial do segundo. A natureza de Felipe Tosin é só dele. A sobreposição também vem do reino vegetal e do animal. Ela ocorre, portanto, em diversos planos.

Primeiramente, temos a maioria dos trabalhos em grandes dimensões e a aplicação da tinta acrílica chega a um resultado matérico, generoso, de camadas colocadas umas sobre as outras, ricas. Vê-se que há harmonia tanto no uso das cores, estudadas com cuidado, quanto na composição, mas o artista afirma que não há exatamente uma hierarquia na escolha das imagens e das formas, exatamente como mencionado no início deste texto. O artista diz ser importante para ele estar inserido nos lugares e é des-sa inserção que ele retira suas forças e sua habilidade no trato com esses elementos to-dos. Eu diria que tal inserção se dá ao menos em dois planos: um, habitual, físico, e out-ro, sentimental e de memória. O artista tem ateliê na Ilha do Mel, para onde vai com regu-laridade, e de onde pode trazer elementos para o trabalho mais elaborado na cidade, mas também onde pode produzir e pensar em possibilidades futuras. No outro plano, há histó-rico na família do contato mais íntimo que se pode ter com a natureza, afora o místico, o do ambientalismo.

Perto do mar, o artista se dedica a trabalhos de tamanhos mais tímidos: há desenhos e matrizes para linóleo, mas foi precisamente daí que surgiu o interesse pelos trabalhos atuais. Na exposição que segue a este catálogo, há trabalhos realizados a partir de 2013, fruto de uma busca que o artista fez em diferentes frentes e diferentes diálogos: a entra-da no curso de Belas Artes, onde foi procurar respostas para certos questionamentos so-bre arte, o diálogo consigo mesmo a partir das indagações da memória mais antiga (há na geração anterior artistas plásticos) e diálogos com outros artistas, também preocupados com a representação da paisagem (do que se nomeia paisagem aqui), e da pesquisa. Curiosamente, a paisagem sempre esteve presente nas investigações de Felipe e elas já foram geométricas. No caminho natural seguido pelo artista, foram ganhando outros con-tornos, mais orgânicos, que é que vemos nesses trabalhos atuais. Muito possivelmente, naqueles trabalhos iniciais víamos mais o designer que o artista; hoje, vemos o contrário.

Não estranhe ao encontrar nesses recortes naturais, nessa construção na qual o artista se insere e por cujos caminhos Tosin deseja levar o espectador, animais que lembram plantas ou plantas cujo corpo se metamorfoseia num bicho. Ele é um exímio observador das formas da floresta e recentemente das formas do mar. Fascinado pela iridescência comum ao animal, ao reino mineral, suas plantas terão também um brilho metálico, então termos a mistura da geologia e da botânica numa pele animal, numa carapaça animal, ou vice-versa. Há flores-bicho, cores impensáveis em plantas, seres microscópicos trazidos à tona, labirintos naturais.

Das profundezas marinhas, onde habitam animais invisíveis, de velhas enciclopédias onde se grafam coisas antes imaginárias que reais, das andanças pela praia, do olhar microscópico da areia onde se vê um reino de formas possíveis, Felipe Tosin retira — ou empresta — formas. Ele traz isso tudo para o olhar humano, num tamanho colossal. Vários reinos moram aí, o micro e o macro, o visível e o não visualizável, o desmonte das antigas taxonomias das enciclopédias físicas.

Há nas palavras do próprio artista uma vontade da pintura, para além do olhar do design-er, do viajante, do ambientalista preocupado com os destinos de uma ilha, de todas as ilhas. Essa vontade se vê aqui, num trabalho de acumulador de curiosidades, que tem um gabinete para isso, ao melhor modo dos viajantes-artistas e ao melhor modo dos cole-cionadores de objetos estranhos. A beleza dos objetos desse tipo de colecionador não está forma deles, precisamente, tampouco no seu exotismo — é a mistura dessas con-dições que carrega um objeto estranho, misterioso, único ou exótico, para o gabinete.

Então, permita-se.

Benedito Costa Neto

Currículo

2016 • Exposição coletiva - A Casa do Colecionador - Galeria Boiler - Curitiba;

2016 • Exposição coletiva “Octogonal” Museu Guido Viaro - Curitiba;

2016 • 4º SOAL - Salão de Outono da América Latina - Memorial da América Latina - São Paulo

2016 • Superior em Pintura - Belas Artes do Paraná - EMBAP;

2015 • Exposição coletiva - Galeria EMBAP;

2015 • Exposição coletiva - Cine&Art OpenAir - Curitiba;

2014 • Feira Internacional de Arte Contemporânea Donostiartean - San Sebastian - Espanha;

2014 • Exposição “Naturaleza Viva” La Consentida Donosti - Espanha;

2013 • 1° Salão de Arte Contemporânea e Novas Tecnologias de Ponta Grossa;

2013 • 7° Salão de Artes Plásticas “Marcia Sielski”. - Ponta Grossa;

2013 • Exposição coletiva de gravura - Ale Ale Bistrô - Curitiba;

2013 • Exposição coletiva - Galeria EMBAP;

2012 • 22º Salão Curitibano de Arte - Curitiba;

2012 • Exposição Individual - Way Beer - Pinhais;

2007 • Diretor de arte na Enox On-Life;

2005 • Photoshop Conference - São Paulo;

2002 • Poéticas Visuais - Universidade Tuiuti do Paraná;

2001 • Comunicação Social - Universidade Tuiuti do Paraná.